Sabemos da notícia sobre administração equivocada de medicamento em uma jovem com diarreia infecciosa, atendida em Setor de Emergência. Administrou-se vaselina líquida, ao invés de soro de reidratação. A vaselina é oleosa, não se mistura com água e causou embolia pulmonar gordurosa de grande monta, com consequente morte da paciente.Este caso causou comoção, porque ninguém espera chegar a um hospital para se tratar e acabar falecendo do tratamento, e não da causa da admissão. Muitos acham que este fato foi inédito, mas infelizmente não é a realidade.
Valentin e colegas realizaram um estudo multicêntrico, observacional de 1 dia (113 UTIs de 27 países) com 1328 pacientes, com participação também do Brasil (3 UTIs e 60 pacientes). O objetivo foi informar erros de medicação durante 24 horas nas UTIs, tanto errros de omissão quanto de admnistração. Os erros foram classificados como:
1 - dose errada; 2 - medicação errada; 3 - via de administração errada; 4 - tempo de administração errado; 5 - ausência de administração.
Observava-se os possíveis efeitos deletérios aos pacientes e a ocorrência de efeitos adversos. Certos procedimentos de segurança para administração de medicamentos foram perguntados por questonário próprio a médicos e enfermeiros. Características dos pacientes e também da estrutura das UTIs foram analisados.
Alguns resultados chamam a atenção:
- apenas 33% das prescrições eram informatizadas
- apenas 23% das medicações foram preparadas por farmacêuticos
- 39% das UTIs não tinham área de preparo exclusivo de medicações
- 14% dos serviços não identificavam as seringas com as medicações a serem utilizadas
Foram 861 erros em 441 pacientes. Isto significa que 1 a cada 3 pacientes sofre algum tipo de erro, seja com ou sem consequências. A estimativa é de 74,5 eventos por 100 pacientes/dia. Cerca de 80% das UTIs notificaram algum erro. 14% dos pacientes sofreram com mais de 1 erro naquelas 24 horas.
Quando o erro com medicamento ocorre ? Na verdade, em nenhum momento especial, ou seja, quando a equipe faz coisas de rotina com o paciente - 69% dos erros. A via mais perigosa é a intravenosa, como já se esperava, e antibióticos e sedativos foram as classes mais implicadas em erros. Fadiga, número reduzido de profissionais de enfermagem e conflitos da equipe foram frequentemente associados aos erros (32%), mas 18% dos erros foram por conta da troca recente do nome das medicações !
Em 12 pacientes houve dano permanente ou morte - o que traduz 1% de todos os pacientes. Os autores analisaram que a relação enfermeiro/paciente reduzida e a falta de um sistema de notificação de erros são fatores que influenciam a ocorrência de erros. Pacientes graves, com prescrição de muitas medicações, são aqueles que estão em maior risco de eventos adversos com erros de medicações.
A conclusão do artigo traduz o que acontece e o que deve ser feito:
"Parenteral medication errors at the administration stage are common and a serious safety problem in intensive care units. With the increasing complexity of care in critically ill patients, organisational factors such as error reporting systems and routine checks can reduce the risk for such errors".
Esperamos que se revise este erro anunciado na imprensa, de modo que todos os profissionais de saúde pensem em uma estrutura organizacional mais segura, seja nas UTIs como em outros setores do Hospital. Frequentemente, os erros ocorrem por culpa de processos do que por erros individuais.